Whisky, vodka e gin podem te cegar!

Nos últimos meses, diversas matérias chamaram a atenção ao noticiar casos de pessoas que ficaram cegas após ingerirem bebidas alcoólicas falsificadas, como whisky, vodka e gin. Mas o que realmente está por trás dessas ocorrências?
Será que bebidas destiladas podem, de fato, causar cegueira? O que há dentro delas que representa risco para a visão — e como isso afeta o organismo?

Neste artigo, explico o que acontece com o corpo após a ingestão de bebidas contaminadas, quais são os sintomas e, principalmente, como se proteger.


O perigo não está na bebida original

Antes de tudo, é importante esclarecer: bebidas originais e de procedência confiável não oferecem risco à visão.
Produtos comprados em locais seguros, como supermercados, free shops ou distribuidoras conhecidas, passam por controle de qualidade rigoroso.

O problema está nas bebidas falsificadas — que, em muitos casos, são vendidas em bares, festas e estabelecimentos sem fiscalização adequada.
Para reduzir custos, falsificadores substituem parte do álcool original por uma substância altamente tóxica: o metanol.


O que é o metanol e por que ele é tão perigoso

O metanol é um tipo de álcool utilizado em produtos industriais, como fluido de limpeza de para-brisa, anticongelantes e combustíveis.
Ele não é próprio para consumo humano e, quando ingerido, se transforma em substâncias extremamente tóxicas dentro do organismo: o formaldeído e o ácido fórmico.

Esses compostos atacam diretamente o sistema nervoso central e o nervo óptico — o responsável por levar as informações visuais do olho até o cérebro.
Quando essa via é danificada, o resultado pode ser uma cegueira irreversível.


O que o metanol faz no corpo

Após a ingestão, o metanol é metabolizado no fígado por enzimas que o transformam em formaldeído e ácido fórmico.
Essas substâncias interferem na chamada fosforilação oxidativa mitocondrial, processo que gera energia para as células.
Sem energia, as células da glia e os axônios (prolongamentos dos neurônios) do nervo óptico entram em degeneração.

Essa condição é conhecida como neuropatia óptica induzida por metanol, e é uma das principais causas da perda visual nesses casos.


Sinais e sintomas de intoxicação por metanol

Os sintomas costumam aparecer entre 12 e 24 horas após o consumo da bebida falsificada.
Inicialmente, podem ser confundidos com uma ressaca comum — mas evoluem rapidamente para um quadro muito mais grave.

Os sinais mais frequentes incluem:

  • Náuseas, vômitos e mal-estar intenso;
  • Dor abdominal forte;
  • Confusão mental;
  • Visão borrada ou escurecida (em casos severos, a pessoa enxerga tudo preto).

Esses sintomas indicam uma emergência médica. Se houver suspeita de intoxicação por metanol, é fundamental procurar imediatamente um pronto-socorro.


Tratamento de emergência

O tratamento deve ser iniciado rapidamente, antes que o metanol seja completamente transformado em formaldeído e ácido fórmico.
As medidas incluem:

  • Administração de etanol intravenoso, que compete com o metanol pelas enzimas hepáticas, impedindo a formação das substâncias tóxicas;
  • Uso de bicarbonato intravenoso, para neutralizar a acidose metabólica provocada pelo metanol;
  • Aplicação de ácido folínico, que ajuda o corpo a eliminar o formaldeído e o ácido fórmico mais rapidamente;
  • Em casos avançados, hemodiálise — procedimento que filtra o sangue e remove o metanol e seus metabólitos do organismo.

Infelizmente, quando o tratamento é iniciado tardiamente, a lesão no nervo óptico costuma ser irreversível, podendo causar cegueira permanente ou até morte.


É possível identificar o metanol antes de beber?

Infelizmente, não há como detectar o metanol em uma bebida a olho nu ou pelo cheiro.
Ele tem aparência e odor idênticos ao álcool comum (etanol).

Os únicos métodos precisos de detecção são exames laboratoriais complexos, como cromatografia gasosa e espectrometria de massas, inviáveis para uso cotidiano.
Entretanto, pesquisadores da ETH Zurich (Suíça) estão desenvolvendo um sensor portátil que poderá, no futuro, identificar vapores de metanol por meio de um smartphone — algo semelhante a um bafômetro.


Como se proteger

Algumas medidas simples podem evitar esse tipo de intoxicação:

  1. Compre apenas bebidas de procedência confiável, preferencialmente lacradas e em locais conhecidos.
  2. Evite destilados de bares ou festas desconhecidas. Dê preferência a bebidas em garrafas fechadas, como cerveja ou vinho.
  3. Se desejar consumir um destilado em local duvidoso, leve a sua própria bebida e pague a taxa de rolha.

Esses cuidados são essenciais para garantir não apenas a sua segurança, mas também a preservação da sua visão.


Conclusão

A cegueira causada por bebidas falsificadas não é um mito — é uma realidade grave, causada pela intoxicação por metanol, uma substância tóxica usada de forma criminosa na adulteração de bebidas alcoólicas.
Conhecer os riscos, os sintomas e as formas de prevenção é a melhor maneira de se proteger.

Dr. Délio Evangelista
Oftalmologista — Visão Raio X

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Dr. Délio Evangelista

Dr. Délio Evangelista

Sócio-fundador da Neo Oftalmologia.
Graduação em Medicina - Universidade Federal de Sergipe;
Residência Médica em Oftalmologia - Faculdade de Medicina de Botucatu - Unesp;
Catarata e Ultrassonografia Ocular - Instituto Suel Abujamra;
Fellow (subespecialização) em Retina Vítreo.

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